
Na primeira edição do “Palavra de kenga”, contei um pouco – o possível, pois Naz é discretíssima- da história da autora de Emanet.
Uma característica que se destaca nas poucas imagens da autora na internet, é o uso do hijab- lenço usado pelas mulheres muçulmanas como sinal de respeito a Deus.
Nazmiye conta em entrevista feita em 2011, que começou a usar o hijab voluntariamente quando frequentava a Imam Hatip High School. A instituição originada no ano de 1913 inicialmente se destinava apenas para a formação de Imams e Hatips (respectivamente, quem dirige a oração no Islã e quem profere o sermão antes da oração), aceitando mulheres a partir de 1976. Tendo como diferencial incluir matérias islâmicas em seu currículo geral.
Quando começou a sua trajetória como jornalista, Nazmiye relata que teve um apoio importante do então editor chefe do Jornal Günaydın, pois ele enfrentou as objeções existentes na redação relacionadas ao uso do hijab.
Diante dessas informações percebemos que acesso à educação e oportunidades de trabalho, não a impediu de enfrentar dificuldades relacionadas a sua religião e gênero.
Ok, Kenga: Por que contar essa história toda?
Quando lemos críticas em relação a história contada em Emanet, uma parcela expressiva das falas tenta forçar uma ligação entre a falta de cenas românticas com beijos nada comportados e a quantidade elevada de cenas violentas a religião. Criando uma associação falaciosa e bastante perigosa em tempos que a xenofobia e a islamofobia se fortalecem diariamente.
Como destaquei no texto anterior, o Islã é pioneiro em relação aos direitos das mulheres e sim, tem um olhar diferente do que conhecemos em relação a casais e demonstrações de afeto em público. É um assunto extenso e que provavelmente vai render outros textos por aqui.
Em linhas gerais: O Islã enquanto religião é um código de conduta que rege toda a vida do muçulmano- política, cultura, sexualidade, entre outros. Tendo no corpo algo sagrado, criado por Deus e que como sinal de respeito, se mantém o recato. E podemos destacar também a honra e a modéstia como virtudes importantes na vivência islâmica.
O guarda roupa modesto da Seher, Kiraz, Tia Sultana diz algo para vocês?
Se temos uma autora muçulmana, não faz sentido ela trazer em sua obra questões/abordagens que ela não acredita. Pois o Islã pode não recomendar tal prática, o que não é sinônimo de proibição.
Ana Molina e Francirosy Barbosa em artigo publicado na Revista Reflexão- PUC Campinas (2017), destacam a fala de um entrevistado sobre essa questão para a religião.
A razão ela é considerada o sultão do homem. Isso significa o que, significa o seguinte, que quando Deus determina que aquilo é proibido no Islã, não é porque é proibido que a gente tem que seguir, é porque a razão também concorda com aquilo”
Ou seja: provavelmente não veremos essas questões abordadas em Emanet da forma como estamos habituados. Não se trata de repressão e sim, OPÇÃO da autora.
A associação do Islã com a violência é uma interpretação equivocada conduzida por interesses sociais e econômicos bastante perigosos. Francirosy Campos Barbosa, antropóloga e professora da Universidade de São Paulo (USP) em entrevista ao portal “Observatório do Terceiro Setor” afirma não existirem fundamentos no Islã que defendam a violência e discriminação contra a mulher, que o Alcorão prega a proteção da mulher e a igualdade de gênero.
Outra colocação feita pela professora e que faz muito sentido quando pensamos em relação a nossa dizi tão amada, é a respeito das formas de luta e resistência de mulheres muçulmanas.
“A luta e a resistência podem não ser explícitas, mas mesmo assim, não devemos diminuir a força dessas mulheres ou dizer o que elas devem fazer.”
Já pensou que as cenas violentas que dona Naz retrata em Emanet também podem ser uma forma de luta e resistência?
Que isso NÃO É SINÔNIMO de NÃO DEFENDER os direitos das mulheres? E sim, uma forma de expor este problema global e assim abrir os olhos das mulheres que vivem esta situação ou aqueles que presenciam tal situação?
Violência contra a mulher é algo consequente do MACHISMO e não do ISLÃ.
Essa é a pauta da parte 3 – e última, eu prometo!
Até a próxima “palavra de kenga”!
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